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— Aaron, já está na hora!
Adele Wensel sentia as primeiras contrações. Tinha tirado folga do hospital onde trabalhava como médica, pois não estava se sentindo nada bem. A barriga que estava carregando já havia nove meses uma hora ou outra se esvaziaria.
— Vamos, Adele, entre no carro!
Aaron Wensel dirigiu o mais rápido que pôde. Porém, os carros da década de 30 não colaboravam muito.
Chegaram ao centro cirúrgico a tempo de Adele se tornar mãe. E não mãe de um filho único; a vida lhe presenteou logo com dois bebês. Irmãos gêmeos, inocentes crianças que vieram ao mundo em seis de janeiro de 1933.
E é aí que começa minha história. Eu, Benjamin Wensel, e meu irmão, Caleb Wensel, viemos ao mundo como filhos de uma médica e de um professor de literatura estrangeira. Meus pais, pelo o que me contaram anos mais tarde, estavam com um tremendo frio naquele seis de janeiro. Um terrível inverno assolava a pacata cidade polonesa de Białystok, cujo cenário estava repleto de neve; a neve que caía, branca e inocente, alheia a tudo e todos. Enquanto as ruas enterravam a pouca vida a crescer embaixo da neve, dentro do hospital de Białystok ela florescia como nunca.
— Esse será Benjamin. — Pronunciou Adele. — O mais novo.
— Quatro minutos mais novo, não é?
— Sim, querido. E esse será o Caleb. Benjamin e Caleb Wensel, nossos gêmeos. Białystok nunca viu garotos tão lindos!
Meus pais, entretanto, não contavam com uma desventura. Alguns dias depois, em 30 de janeiro, a Alemanha assistiu a ascensão de um novo chanceler: Adolf Hitler. Meu pai, um renomado professor de literatura estrangeira no mundo acadêmico e fluente em alemão, teve acesso ao livro que estava sendo largamente lido pelo mundo. Escrito pelo então chanceler alemão, Mein Kampf expunha a sua vida e a sua visão com relação à superioridade das raças, as quais até não eram problema para ninguém.
Até então.
A verdade é que, mesmo não sendo praticantes, éramos uma família judia. Acho que meu pai se preocupava demais com isso; cresci o vendo tenso com alguma coisa que na época era incapaz de enxergar. Todas as noites, antes de eu e Benjamin dormirmos, ele chegava a nosso quarto, nos abraçava e dizia que nos amava, e, de um modo que quase beirava o desespero, prometia que faria qualquer coisa pela nossa família.
E o ritual se repetia, dia após dia. Assim como o crescimento de número de vezes que meus pais trocavam olhares atravessados durante as refeições, como se estivessem esperando acontecer alguma coisa que estava por vir.
Eu e Benjamin, entretanto, éramos alheios a tudo isso. Assim como a neve, branca e reluzente, ousando cair quase todos os dias de inverno. Indiferente, atrevida. Afinal, éramos apenas crianças que queriam brincar e ter uma vida normal, e apenas crianças não seriam capazes de compreender o que estava por vir. O que já estava vindo, na verdade. Lembro um dia de verão que não pudemos mais visitar o parque da cidade. Minha mãe, sempre tentando parecer forte, dizia que aquele lugar não era mais coisa para nós; mas Caleb, que com quase cinco anos já sabia ler, me contou que viu no jornal, o qual nosso pai comprava todo santo dia, uma manchete que dizia algo como “Judeus estão proibidos de frequentar locais públicos”. Tudo era muito estranho.
O ano de 1938 havia chegado, trazendo muito frio e novidades não muito boas. Meu pai parecia mais preocupado do que jamais esteve. Estava sempre correndo de um lado para outro, como se estivesse planejando alguma coisa, arquitetando um plano; e nem mesmo minha mãe o entendia mais.
A arapuca nazista estava montada.
Por: Vitor Rodriguez Perencine